terça-feira, 29 de abril de 2014

O caso (do esquecimento) dos Sambaquis de São Gonçalo.

No ano de 2012 pude realizar um dos meus grandes sonhos profissionais, ainda que durante um período relativamente curto: Trabalhar com arqueologia. Poder buscar, escavar, participar de descobertas que mudam o rumo da história era algo que me tirava o sono de uma maneira bastante interessante.

Ilustração: Mundo Estranho Abril. Editora Abril
Mas se por um lado ficava extremamente feliz, outras questões me deixavam bastante entristecido. Conhecendo a profundidade de informações que eram possíveis de serem colhidas com a pesquisa arqueológica em várias localidades, só conseguia me perguntar por que existiam tão poucos dados sobre esse tipo de estudo na região de São Gonçalo. Consultando a base de sítios arqueológicos no site do Iphan, existiam poucos – uns 2 ou 3. Só.

Voltando ao papo sério, no dia 8 de julho do referido ano, foi veiculada uma notícia no site do Estadão sobre a descoberta de 4 sambaquis na área onde o Comperj construía seu píer em São Gonçalo. Obra essa indispensável para o recebimento de equipamentos de grande porte.

Explicando: Sambaqui vem do tupi e significa “amontoado de conchas”. São formações artificiais, algumas do tamanho de morros, erguidos em margens de baías, praias e rios com conchas de moluscos, ossos de animais e humanos, além de restos de objetos primitivos.

Nem preciso destacar como tal achado é importante para a arqueologia brasileira. Nem preciso ressaltar como isso seria importante para a arqueologia gonçalense, tão carente de compreender suas próprias origens. O Sítio Arqueológico da Praia da Luz se concentra na área das praias da Luz e da Beira, regiões carentes do município que teriam muito a ganhar com o desenvolvimento de um polo de turismo arqueológico, que receberia curiosos da região e de fora, assim como pesquisadores que trabalhem com sambaquis.

Muito bonita a descoberta, bastante relevante mesmo. A única coisa que paira em minha mente foi... Por que diabos o Estadão veiculou tal notícia (não tirando o mérito) enquanto NENHUM jornal da região fez o mesmo? Nem Extra, nem São Gonçalo, nem O Dia, Fluminense e (hahaha) muito menos O Globo?  Será que não podem fazer críticas ao Comperj? Por que no final, todas estas instâncias sabem que a descoberta de sítios arqueológicos atrasariam ainda mais as obras do Polo Petroquímico que é construído em Itaboraí?

Apenas à guisa de curiosidade, em 1961, o então presidente Jânio Quadros assinou a lei 3924 que transforma de maneira automática em monumento arqueológico ou pré-histórico os sambaquis como uma estrutura que “representa testemunhos da cultura dos paleoíndios do Brasil”, cabendo aos infratores as sanções dos artigos 163 a 167 do Código Penal.


Ainda em tempo: Não fazer voz a uma notícia, para que ninguém saiba para que ele seja descaracterizado e não atrapalhe as obras do Comperj é uma opção válida para que o gonçalenses perca mais um pouco de sua história? Indiferença ao Patrimônio Histórico pode ser considerado crime também? Tomara que sim.

O Figueirinha I, com cerca de 18 metros de altura1
Referências:

Descoberta de sítio arqueológico é novo obstáculo à refinaria do Rio:http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,descoberta-de-sitio-arqueologico-e-novo-obstaculo-a-refinaria-do-rio-,897486,0.htm

LEI No 3.924, DE 26 DE JULHO DE 1961.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3924.htm

MACHADO, Jurema. A Unesco e o Brasil: trajetória de convergência na proteção do patrimônio cultural. In Cadernos de estudos do PEP. Contribuições da 1ª Oficina do PEP. Vassouras, 2006. Rio de Janeiro: IPHAN, 2007. 

Sobre o Autor:
Luciano Campos Tardock Luciano Campos Tardock é colaborador do Blog Tafulhar e coordenador do Memória de São Gonçalo. Formado em História pela Universidade Salgado de Oliveira, Especialista em História Moderna pela UFF e Mestre em História do Brasil também pela Universidade Salgado de Oliveira. Participou do Centenário do ex-prefeito Joaquim Lavoura e atualmente faz parte da Comissão da "Operação Fazenda Colubandê - Quem ama cuida".

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